Onservação: Para aproveitar melhor este texto seria bom relembrar os conceitos de homologia cultural, ressignificação e bricolagem aqui.
INTRODUÇÃO:
Subculturas são como uma teia de aranha ou uma rede, e um estilo musical é uma das linhas ou fios dessa rede (net) ou teia (web). Outra alegoria que pode ser feita é entre uma frase e suas palavras, ou um colar de pérolas e cada pérola: mas cada palavra muda de sentido na frase, e pode estar em mais de uma frase.
Cada "pérola", ou cada "fio" remete a todos os demais, e os ressignifica, e é ressignificado por eles.
Assim, subculturas são sistemas (uma rede com vários elementos). Já cenas musicais podem ser um desses elementos, presentes desde a formação de uma subcultura ou incorporadas posteriormente à ela, ou existir isoladamente.
Cenas ou estilos musicais podem ser parte um ou mais desses sistemas subculturais, ou existir independentes e separadas de qualquer sistema subcultural. Cenas musicais se referem a manifestação de um circuito de bandas e agentes culturais ligados à música, e seus fãs, podendo estar ligado à um ou mais estilos musicais.
Estilos musicais, por outro lado, são os conceitos e repertórios abstratos de um estilo musical: salsa, tango, valsa, blues, rock, reggae, funk, synth etc. Podemos aprender ou gostar de estilos musicais que não tem atualmente uma cena musical ligada a ele. Portanto, subculturas e cenas musicais não são a mesma coisa. Subculturas, cenas musicais e estilos musicais também são coisas diferentes.
Veremos exemplos de cada tipo a seguir, e no final vamos comentar resumidamente algumas subculturas que existiram desde os anos 1940.
EXEMPLOS DE ALGUMAS SUBCULTURAS EM RELAÇÃO À MÚSICA e SEUS OUTROS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS:
Vamos observar apenas seis exemplos de subculturas desde a segunda guerra mundial (1939-1945):
ZOOT-SUITERS (1940’s, Estados Unidos): Você deve conhecer a caricatura do estilo Zoot: o personagem do filme “O Máscara”, com seu terno de proporções exageradas, ombreiras, chapéu e estilo latino. Os Zoot Suiters realizaram a contravenção de usar ternos gigantesco em uma época de racionamento de guerra nos EUA com leis que definiam que as roupas não deviam ter tecido desnecessário. Sendo uma “club-culture” focada na dança, os Zoot-Suiters se apropriaram de estilos musicais Latinos, entre outros estilos pré-existentes.
ZAZOUS (1940-45, França): Quase um equivalente francês do Zoot-Suit, mas com roupas espalhafatosas de estilo diferente e música mais ligada ao Bebop e Swing-Jazz. Foi um movimento de não-conformidade com o conservadorismo da França ocupada pelos Nazistas. Cabelos mais compridos do que a regra, ternos muito grandes, grandes chapéus, calças bem apertadas na cintura, estilo inglês e usando muitas vezes guarda chuvas como símbolo Britânico na França ocupada. O estilo, pelos estilos de música incorporados, também era anti-racista.
TEDS ou TEDDY BOYS (anos 1950): Ted é um apelido de Edward, pois os Teds se apropriaram do terno estilo Edwardiano como sua marca registrada. Um movimento de jovens de classe baixa ou média trabalhadores que gastavam seus recursos construindo a simulação de um estilo mais aristocrático. Ficaram conhecidos também pelo famoso e inconfundível penteado “ninho de pombo”. Incialmente os Teds escolheram variantes de blues e jazz dançantes para suas festas, depois, com a chegada do rock’n’roll, adotaram também esse novo estilo.
BEATS ou BEATNICKS (aproximadamente 1950-1970): Surgiu a partir de um movimento literário ligado inicialmente ao existencialismo francês e autores da chamada “literatura beat”, sendo os mais conhecidos Allen Ginsberg, William Burrouhgs e Jack Kerouack e muitos outros, desenvolvendo uma boemia artística e musical, inicialmente ligada ao jazz “bebop”, e, mais tarde, incluindo o novo estilo “rock”. Por outro lado, muitos artistas do final dos anso 60 e dos anos 1970 foram fortemente influenciados pela subcultura beatnick e literatura beat, como the Doors, Velvet Underground, Lou Reed, Patty Smith, David Bowie, Peter Murphy e muitos outros. A subcultura beatnick definiu nos anos 1950 e 1960 o que chamamos de “underground artístico” até hoje, junto com a subcultura Hippie, com conceitos como espontaneidade poética, performance, DIY, boemia artística e intelectual etc.
HIPPIES (anos 1960, durando até o começo dos anos 1970): Diferente dos lunares e urbanos Beatnicks, surgiu uma vertente politizada e de simbologia mais solar: os Hippies. O discurso era romântico, anti-guerra e anti-consumo, focado em um retorno à natureza, multicultural e orientalista, paz e amor. Não há um estilo musical “Hippie” específico, mas há uma predileção por rock psicodélico, Folk-Music, Folk rock e música ethno, mas também hard rock e outras vertentes. No Brasil esteve ligado também ao tropicalismo, MPB alternativa e psicodelia do final dos anos 1960 e 1970. É marcante o festival de Woodstock em 1969. GLAM-ROCKERS (1970-1975): Foi uma subcultura com uma cena musical bem definida no pop e alternativo (David Bowie, Queen, T-Rex, Roxy Music, New York Dolls etc) mas também no hard rock e metal (Slade, Alice Cooper, Mötley Crüe, Kiss etc) e influenciando outros estilos musicais (como no Brasil, o grupo Secos e Molhados de Ney Matogrosso) e comportamentais além da esfera da música até hoje. No estilo, era marcado por um visual andrógino e cheio de glamour e brilho, com um lado obscuro e decadentista com toque cabaret e vaudeville, além de uma parte flertar com temáticas de horror e ficção científica, influenciando várias subculturas posteriores.
DIFERENÇAS E RELAÇÃO:
Uma diferença fundamental é que uma subcultura é um sistema maior que absorve e ressignifica diversas manifestações humanas e artísticas além da música.
Como um texto feito de várias frases. Ou uma frase feita de várias palavras.
Em oposição a integração subcultural, a fragmentação comercial tende a reduzir culturas a um elemento apena: ou só música, ou só roupa, ou só isso ou aquilo, sem outros significados.
Como frases isoladas, ou palavras soltas.
Subculturas podem começar a partir de diversos elementos: algumas se consolidam em torno de um movimento literário, outras em torno de um (ou mais de um) estilo ou cena musical, outras a partir de um estilo de visual, ideia ou situação social.
O sentido é dado pelo conjunto do texto ou discurso formado no final.
Não importando como começam, elas vão incorporando, assimilando e ressignificando todos os outros elementos culturais, dando a eles novos significados e construindo um sistema significativo (ver definição de subcultura no começo do livro Happy House in a Black Planet VOL. 1.).
Como já comentamos, uma frase, símbolo ou palavra muda de sentido quando reinserida em novo texto ou sistema, como uma linha em novo tecido. CENAS MUSICAIS Cenas Musicais são relativas a estilos ou gêneros musicais, que podem ser ou não parte de um sistema subcultural. Ex: Blues, Rock, Synth, Reggae, Hip-Hop, Funk, Metal, etc. Ou subcenas musicais de um gênero maior, como subtipos do rock ou metal.
Uma cena musical pode ter apenas um séquito de fãs, sendo ligada à cultura musical mainstream como produto isolado, e não representando nenhuma postura ou visão cultural mais abrangente.
CONCLUSÃO
Esses são apenas alguns exemplos, existem e existiram dezenas de subculturas e há muitos tipos de relações estruturais entre subculturas e cenas musicais, desde subculturas com uma cena música única, até subculturas sem cenas musicais ou estilos musicais compartilhados com outras e ressignificados etc.
Assim, observando as subculturas que existiram desde 1940 até hoje, podemos perceber que elas têm diferentes estruturas e tipos diferentes de relação com o elemento musical. Por exemplo, quanto à estrutura e relação com a música, algumas subculturas: - tem uma ou mais cena(s) musical(is) adotada(s) ou compartilhada(s) - são ligadas a um único estilo musical, adotando muitas vezes o nome desse estilo. - não tem aspecto musical definido, apenas no começo ou definitivamente - outras estruturas
Cada caso é um caso, devendo ser analisado separadamente. Não devemos supor que todas as subculturas têm a mesma estrutura de relação de “peso” com seus elementos formadores.
Importante lembrar que, em qualquer cultura ou subcultura, nenhum indivíduo carrega todos os elementos ou todo o repertório cultural, da mesma forma que mesmo um brasileiro fluente não carrega todo o sistema da língua portuguesa. Culturas são bens coletivos e sociais, e apenas a rede de todos os indivíduos carrega a totalidade de uma cultura ou subcultura.
Também importante é sempre lembrar que subculturas são sistemas, e que todos os elementos são ressignificados pelos demais, e que essas relações podem mudar ao longo do tempo, tanto por mudanças internas de uma subcultura, sua extinção ou pela subdivisão de uma subcultura em novas subculturas.
H. A. Kipper. 2020
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