Texto de H. A. Kipper, escrito entre 2021 e 2022
Leia também nossos artigos sobre o Glam Rock (1970-1975) e sobre Krautrock (1968-1977+) e este sobre a importância da Black Music no Post-Punk e New Wave para entender esse artigo, e outros textos complementares no menu desta página e mapa cronológico 1965-1990 . É bom não esquecer também as Maiores Fake News musicais dos anos 80. Sobre Blitz Kids e new Romantics, acesse a Gothic Station 3 e o site Blitz Kids.
3 PUNKS E 3 NEW WAVES: qual é o verdadeiro?
Entre 1974 e 1984 os termos new wave e punk mudaram radicalmente de sentido, partido de quase sinônimos para finalmente definir atitudes opostas, com direito a um degradê no meio do caminho. Como isso foi possível?
Basta pensar na forma como o termo “industrial” como usamos hoje tem pouco ou nada a ver com o termo “industrial” como usado nos anos 70 e 80, assim também os termos “punk” e “New wave” foram aplicados a estilos diferentes e até – muitas vezes – divergentes em tudo menos no nome. Por isso se seguirmos apenas a “trilha” do “nome” dos estilos nos perderemos: é preciso seguir a trilha das “características e raízes” dos estilos.
Mas... comecemos pelo começo: o título é uma pegadinha.
É um exercício fútil discutir hoje qual o "verdadeiro punk" e new wave, visto que a terceira versão dos estilos ficou com o nome, MAS é muito importante ter claras as diferenças entre os três para entender como cada fase influenciou outros movimentos posteriores e desfazer algumas “Fake News” (ou seria melhor dizer “Fake Olds”?).
Por exemplo, é um anacronismo pensar que o “punk 3” influenciou outros estilos dos anos 80, o que é impossibilidade tanto cronológica e quanto estilística. O próprio punk 3 rompe com conceitos do punk 1 e 2 que receberam outros nomes depois. Por isso, retroativamente, parte do punk 1 passou a ser chamado de “proto-punk”, outro anacronismo.
Ao longo do tempo pelo menos três coisas diferentes foram chamadas de “Punk” e outras três, de “new wave”. Não faz sentido perguntar qual seria “a verdadeira”, pois nos anos 80 os nomes punk e new wave foram sacramentados com os significados “vencedores” em popularidade, e não necessariamente os primeiros.
Mas para entender o que aconteceu antes, a relação com outros estilos e desfazer alguns equívocos históricos é importante conhecer as transições de cada fase, e a disputa de conceitos e classificações*.
(*importante: semanticamente, a palavra “rótulo” não é sinônimo de classificação. A palavra rótulo já carrega em si o sentido de “superficial em relação ao conteúdo”, que é pejorativo a qualquer coisa que não seja matéria inerte. Já a palavra “classificação” é mais neutra e usada também em sentidos positivos.)
3 PUNK X 3 NEW WAVES
Um exemplo de como o punk 2 (77) chegou muito tarde para ser origem do que depois seria chamado de “pós” punk é a declaração de Lydia Lunch:
“Em Nova York primeiro tinha a no wave, o punk só foi chegar bem depois. Não estávamos interessados em punk rock – pelo menos ninguém que eu conhecesse estava; achávamos ridículo, redundante”. (7)
Evidentemente ela se reveria a nova versão do punk criada em torno dos Sex Pistols. Nos EUA, bandas como Pere Ubu, Devo e a geração que originalmente foi chamada de punk já tinha sonoridade “pós” (punk?) bem antes.
Em 1957 o termo Nouvelle Vague (New Wave) é usado por Françoise Giroud para uma nova geração de jovens cineastas focados na autoralidade de suas obras (o que chamamos de “cinema de diretor”) (1). Com o sucesso artístico desses autores, o termo “new wave” começa a ser usado em outras áreas.
Nos anos 60, por exemplo, o termo new wave aparece no contexto musical de uma nova geração no Jazz (1) e seu uso continuou se expandindo.
Voltando ao punk x new wave em 1975:
O termo punk vinha sendo usado desde o começo dos anos 70 nos EUA, pode ser visto entre 1970 e 1972 já nos flyers da banda Suicide.
O termo "punk rock" foi forjado na revista Creem em Maio de 1971, na coluna “Looney Tunes” de Dave Marsh se referindo ás bandas Question Mark e the Mysterians.
Em junho de 1973, a revista Creem na matéria de capa anuncia que Alice Cooper ganhou a eleição entre leitores para “Punk of the Year” (Punk do ano).
Também em 1973, os críticos musicais Nick Kent and David Marsh começam a usar o termo New Wave para diversos grupos de Nova Iorque, que viriam a se provar influentes na futura explosão do Punk, como o art-rock do Velvet Underground e o glam/glitter rock do New York Dolls (1).
Em 1975, para nos situarmos historicamente, Bowie lança “Young Americans” e Brian Ferry lança “Love is The Drug”, já incluindo sonoridades disco, funk e soul, prenunciando o que seria feito mais tarde. Também em 1975 o Kraftwerk faz um show em Londres que teve na plateia muitos que foram muito influenciados pela sonoridade do grupo alemão, e que dariam origem a bandas influentes do cenário britânico fazendo o que seria chamado Synth. Bowie e Eno já eram influenciados pelo Kraftwerk e outros Krautrockers, o que ficaria evidente na trilogia Berlinense de Bowie. Mas essa é outra parte da nossa história.
Em 1976 Patti Smith faz um show grande em Londres: https://50.roundhouse.org.uk/content-items/live-review-patti-smith-stage-1976
No dia seguinte, no show do Sex Pistols em um pequeno clube, o vocalista Johnny Rotten faz uma sátira da música Horses de Patti, “xingado-a” de hippie, como relata Jay Dee Daugherty, membro do Patti Smith Group (5). Esse “causo” mostra algumas das profundas diferenças entre várias coisas que foram chamadas de punk na época e posteriormente: de fato, artistas como Patti Smith e Lou Reed foram fortemente influenciados pela geração Beatnick nos anos 60, da qual também evoluiu a geração Hippie que lutou contra a guerra do Vietnã. Toda a musicalidade e poesia do “punk1” norte americano era diferente.
No começo de 1976 Legs McNeil e companheiros lançam a revista “Punk” nos Estados Unidos, retratando a cena norte-americana de Rock alternativo da época: Lou Reed, Iggy Pop e toda cena do CBGC de Nova Iorque (5). Quando os “punks77” ingleses desembarcam nos Estados Unidos os punks originais não os reconhecem como punk, mas o novo sentido de punk vai acabar substituindo o anterior. Posteriormente isso vai acontecer mais uma vez em direção ao final da década 70 e começo dos anos 80, com o “real punk”, Hardcore e OI!. A versão que chega ao Brasil já é terceira e última.
Enquanto isso, em Londres, no final de 1975, Malcoln McLarem tinha começado a forjar seu plano de jogo Situacionista para atrair atenção para sua loja de roupas (2). Um grupo de clubbers e Soulboys* influenciado por David Bowie e Brian Ferry do Roxy Music, que tinham começado experiências com Dance Music começou a fazer experiências com roupas (2). Esse grupo depois foi chamado de Bromley Contingent era formado por um grupo de clubbers e posers frequentadores de clubes diversos e influenciados pelo Glam e pela cena gay clubber de Londres. (8) Como frequentadores da loja de roupas SEX de MacLaren e Westwood, foram apresentados aos Sex Pistols por McLarem, que buscava formar uma cena como a Factory que Warhol formara em Nova Iorque anos antes. A estratégia de McLarem era aparecer na mídia e chocar.
*Soulboys= subcultura/clubculture da segunda metade dos anos 1970 de apreciadores de música Soul e Funk, apesar de ser uma cena grande, recebeu muito menos atenção da mídia que os New Romantics e Punks (3) (4).
Antes, em 1975, perto do fim dos New York Dolls, Malcoln McLarem, dono da loja britânica de roupas fetichistas SEX foi empresário do grupo. Depois do final dos Dolls, Malcoln retornou à Inglaterra e organizou um grupo que foi muito inspirado nos Dolls: os Sex Pistols (5) (1). Antes dos Pistols gravarem qualquer coisa, McLaren insistia que o som fosse chamado de new Wave (Sounds magazine, John Ingham). Os fanzines punks e as grandes revistas musicais inglesas da época chamavam Pistols, Clash e outras bandas punks de “new wave”.
Nos EUA, em 1976, também a revista New York Rocker começou a usar o termo New Wave nesse mesmo sentido com regularidade, para bandas locais como Patti Smith, Television, Blondie e Ramones.
Porém, diferente da mais discreta New Wave norte-americana ligada ao CBGC, no Reino Unido, o show midiático do Sex Pistols e sua trupe orquestrado por McLarem começara, e iria aparecer na TV e manchetes dos jornais. Bandas punks chegariam às paradas e sucesso comercial atraindo a atenção das grandes gravadoras.
Enquanto isso, na Inglaterra, o Bromley Contingent, etourage da loja Sex e dos Sex Pistols, tinha uma base diversa, como comenta o pesquisador David Wilkinson:
“Bem no começo, as subculturas Punk e LGBT eram inseparáveis uma da outra. Esse crossover tomou diversas formas. Umas dessas formas era moda e auto-apresentação*. Em Londres, mais ou menos um ano da emergência dos Pistols em si, Punk como uma subcultura se inspirou na extravagância do vestuário dos soul boys e soul girls. O visual deles as vezes se misturava nos clubes gays. Esses clubes gays eram frequentemente as fontes primárias para a música dance black, soul e disco que influenciou a produção de David Bowie e Roxy Music em meados dos anos 70”
“As subculturas eram estudadas, e consequentemente tinham elementos daquelas cenas que tinham sofrido “empréstimo” por Vivienne Westwood and Malcolm McLaren.” (12)
Siouxie Sioux comenta ter levado toda cena punk para as boates lésbicas e gay. Como Siouxsie Sioux explicou em uma entrevista:
A cena punk “…era inicialmente muito diversa, muito anti-uniformização. Mas depois que apareceu nos tablóides, ela se tornou estreita e aquilo fechou o caixão da coisa toda.” (11)
Em 1977, com o sucesso midiático do Punk os antigos clubes foram tomados por uma nova geração com outros ideais. Como Berlin do Bromley contingent comenta em sua obra auto-biográfica, após os tablóides ingleses divulgarem o termo punk em 1977, o grupo original só conseguir ir ao clubes durante a semana, pois “nos finais de semana enchia de adolescentes violentos e sem estilo” (8).
Assim, já em 1977 o “boom” do punk na imprensa britânica o estilo começou a implodir (ou se tornar outra coisa). Em outubro de 1977 a revista Trouser Press publicou um artigo “RIP New Wave” (Descanse em Paz, New Wave) com a uma ilustração de Jonny Rotten com esse texto (1). O estilo punk havia chegado à moda e sucesso comercial, atraído outro público e se tornado outra coisa: assim surge o “Punk 3” em 1977/78, que é o que “ficou com o nome”. O Punk 3, como relatou Dinah Cancer, matriarca do Deathrock norte americano, se tornara e ainda é uma “cena de garotos” (13), que influenciaria outras cenas “de garotos” e anti-dandistas como o hardcore, OI! e vertentes modernas do metal a partir dos anos 80, não só na música, mas no visual, comportamento e “forma de agitar” nos shows. Na mesma época New Romantics e Góticos seguiram a tradição glam/synth/kraut/blackmusic em direção musical e comportamental oposta.
Ainda em 1977 também as bandas que imitavam os Pistols não tiveram tanto sucesso, decepcionando as grandes gravadoras. Lançado em 1977, “Nevermind the Bollocks” esteve no topo das paradas inglesas no final daquele ano, mas logo no começo de 1978 os Pistols acabaram. Mas nos Estados Unidos o álbum chegou só no número 106 da parada: essa vertente não havia “pegado” ainda por lá.
Já em novembro de 1976 a jornalista Caroline Coon da Melody Maker havia argumentado que Punk e New Wave não eram a mesma coisa, mas sua definição só se tornaria popular mais tarde (1).
O dono da gravadora norte-americana Sire records, Seymor Stein) insistiu que as bandas do seu selo (Ramones, Talking Heads, Dead Boys, Richard Hell and The Voivoids) não fossem chamadas de punk, com o slogan “Don’t call it Punk” (não chame isso de punk) sendo usado no final de 1977, também enviando uma carta às rádios explicando que o gênero new wave tinha sido erroneamente chamado de punk.
No Reino Unido, nas edições de novembro e dezembro de 1977, a revista Sounds tentou um novo termo para substituir New Wave e dissociar as bandas do que viam como um decadente Punk: “New Musik”. Também nessas edições de 1977 cunharam a manchete “Coldwave” para uma capa do Kraftwerk, citados como New Musik junto com Siouxsie and The Banshees e Throbbing Gristle. Jon Savage via essas bandas como um movimento “post-punk”, que estava se movendo além das raízes no Rock de Garagem do punk. Como em “post-modernism”, o termo post significa uma rejeição e distanciamento crítico do movimento anterior.
Assim, o termo “post-punk”, apesar da contradição do nome, acaba pegando para a continuidade do que era feito “antes do punk 77” britânico.
Bandas como Wire e Gang of Four, entre outras, buscavam formas de se dissociar das limitações do punk. O Gang Of Four tentou uma associação direta com a estética do cinema da Nouvelle Vague (1). As bandas agora misturavam uma multiplicidade de estilos como dub, funk, rock e música eletrônica em formatos criativos e experimentais, que remontavam a influências anteriores e paralelas ao punk inglês.
Assim, temos uma transição do espírito cabaret-berlin e dândi urbano decadente do Bromley Contingent (1976-1977), herdado dos Beats (aprox..1950-1970) e Glams (1970-1975) para o que formaria a partir de 1978 os New Romantics (em 1978 abre o Billy’s, em 1979 o Blitz) e os Góticos. Enquanto isso (1977-78), o Punk entrava na sua terceira fase, excluindo esses elementos, e se definindo muitas vezes em oposição a eles em direção ao “real punk” que conhecemos posteriormente.
O “TERCEIRO” PUNK: REAL PUNK, Pós 1977
Assim, paralelamente, o Punk 3 ia em outra direção, com bandas como o Sham 69 desenvolvendo o conceito de “Real Punk”, que radicalizava a sonoridade e mensagem política do estilo, deixando de lado o sarcasmo de bandas como os Pistols, e adotando uma retórica realista e politizada da classe trabalhadora. Para eles, a as bandas new wave agora eram as “traidoras do movimento” e “vendidas”. Com isso o público punk também mudou, atraindo uma geração mais nova e uma facção indesejada: os racistas Skinheads, com a posterior formação do movimento “Oi” (não confundir com os Skinheads de 1969, mas essa já é outra história de rótulos iguais sendo usado para tendências diferentes...). O resto é história conhecida: o punk evolui em direção ao Hardcore, Oi! e influencia a música e comportamento de novas vertentes do metal nos anos 80, como o Trash Metal, NWOBHM e outras, no polo oposto ao que se desenvolvia a new wave, synth, EBM, gótico e o ironicamente nomeado... “post-punk”.
E A NEW WAVE 2 E 3?
Em Janeiro de 1978 a revista BillBoard lançou uma edição com a matéria de capa “A chegada da New Wave à maioridade” (The New Wave Coming of Age). A mídia musical chegara atrasada ao reconhecimento da New Wave original, e agora ela já se transformava em outras coisas. Nesse ano Patty Smith (com o álbum Easter), Blondie, Ramones e outros atingem maior sucesso nas paradas.
Também o The Cars chega ao sucesso em 1978 com uma sonoridade produzida por Ray Thomas Baker, com uma estrutura que se tornaria padrão na New Wave: um seção rítmica forte e quebrada, e “espaço” (air) entre as notas da guitarra, como na canção “All You Need”. O estilo visual minimalista e limpo, terninhos e gravatas (bem depois de Kraftwerk e simultaneamente a Gary Numan), com poucas cores também vai se tornar um padrão muito copiado, como vemos em grupos como Talking Heads. Daí até 1979 a New Wave cresce comercialmente, em um caso de gênero que cresceu lentamente.
No começo dos anos 80 uma versão mais diluída de chega ao mercado de massa, com uma produção “colorida” que criou o clichê da New Wave 80’s. Essa é uma terceira new wave, portanto é um equívoco anacrônico dizer que a “darkwave” ou “coldwave” são versões “sombrias” da new wave “colorida”, isso é apenas uma simplificação criada pela mídia musical dos anos 80: a base musical e conceitual do que veio a ser classificado como darkwave e coldwave é anterior a new wave3.
CLUBES PARA DANÇAR E SER VISTO
E os clubes? Ainda em meio a um cenário dominado pela dance music, em maio de 1978 a discoteque Hurrah abre uma noite dedicada ao Rock, abrindo um espaço em que os DJ podiam rolar New Wave na pista e onde bandas podiam ocasionalmente tocar ao vivo. O conceito rapidamente se espalhou. Na mesma época em Londres, em 1978, abria o Billy’s Club, dos primeiros “New Romantics” cujo sucesso levou a abertura de um lugar maior em 1979: o Blitz Club. Veja um pouco Billy’s Club em 1978:
https://www.theguardian.com/music/gallery/2013/jan/25/bowie-nights-billys-club-pictures e http://www.theblitzkids.net/billys-club/
Como o “punk inglês de 1976” (que já era o segundo uso do termo punk, pelo menos) abandonou seus ideais criativos em menos de um ano (até 1977), se tornando o que conhecemos hoje, os seguidores de Bowie, Ferry e conceitos glam, dandy e soul procuraram seguir suas raízes anteriores, como explica o DJ e dono de clube, Chris Sullivan:
“Toda coisa da Blitz foi uma continuidade a partir punk, junto com aqueles de nós tinham sido Soul Boys, com o denominador comum de amar Bowie e Roxy Music, que provavelmente estavam no seu auge em 1975” (2). Ele se refere ao punk fashion e criativo de 1976, não ao “punk real” pós 1977 de Sham 69 e bandas que se aproximariam depois do que chamamos de Hardcore.
Entre 1977/79 o punk tinha já se encaminhado para o estilo politizado e o visual jaqueta de couro e moicano (bem diferente do modelo de 1976), abandando tanto conceitos dandy quanto pretenções de referências culturais que vimos no Bromley Contingent (1976) e nos Billy’s (1978) e Blitz (1979). Assim “…nos seus primórdios, o Gótico foi moldado em reação contra os outros dois ramos que saíram diretamente do punk – Oi! e anarcho-punk” (15).
CONCLUSÃO
“O novo europeísmo de Bowie e Eno combinava com o sentimento pós-punk de que a América - ou, pelo menos, a América branca - era política e musicalmente o inimigo. Quando se tratou de inspiração contemporânea, o pós-punk olhou além do coração do rock 'n' roll: para a América negra urbana, para a Jamaica e para a Europa. Para muitos afiliados ao pós-punk, os singles mais significativos de 1977 não foram "White Riot" ou "God Save the Queen", mas sim "Trans-Europe Express" do Kraftwerk, uma ode metronômica de metal sobre metal para a era industrial e o hit Eurodisco produzido por Giorgio Moroder de Donna Summer, 'I Feel Love', uma faixa feita quase inteiramente de sons sintéticos. ” (15)
Musicalmente, as sonoridades que seriam posteriormente chamadas de coldwave ou darkwave já estavam criadas antes e fora do “punk 77”, formadas a partir de outras linhas evolutivas musicais. Posteriormente receberiam alguns toques conscientes e narrativas mais “góticas” no começo dos anos 80. A base musical do que seria a terceira new wave se confunde com o synth derivado do Krautrock e outros experimentalismos eletrônicos dos anos 70, sem os quais nãos existiriam. As bandas que receberam o rótulo de “post-punk” retomam as influências musicais e temáticas banidas pelo “punk 77”.
Podemos dizer que o “terceiro” Punk como ficou conhecido desde o final dos anos 1970 é uma ruptura tanto com o primeiro punk norte-americano quanto com o punk 76 do Bromley Contingent e da Loja Sex. Em mundo ideal isso tudo teria nomes diferentes, mas, não sendo, temos que lidar com as sutilezas do anacronismo histórico dos nomes dos estilos.
Quanto a Darkwave, podemos agora entender que ela não surge da primeira New Wave (1975-1978) mas da segunda e principalmente terceiras New Wave (1979-1982) que recebeu o influxo disco, synth, krautrock, dub, soul e funk, não tendo, assim como o gótico, relação com o punk: a relação foi estabelecida pela confusão de termos, não pela relação musical ou cultural.
Não é por acaso que todos os estilos wave e góticos são dançantes no sentido tradicional, enquanto o punk não: o punk e o hardcore eliminaram todas as raízes black do rock (soul, blues) e rejeitaram o funk.
Importante lembrar que a transição do punk 2 para o punk-rock 3 apaga as influências “dance” black & soul, bem com outras, mas essas influências vão ser resgatadas pela new wave, synth, darkwave e música gótica. O “punk real” pós 1977 não vai ter tempo para essas “futilidades”.
Assim, temos uma continuidade entre as tendências que vem desde os anos 60, atravessam os 70 e geram os estilos dos anos 80 em diante.
Principalmente os Punks 2 e 3 não são origem musical do que vem depois nos anos 80 na linha synth/darkwave/ethereal-ethno/goth/industrial/EBM Europeu, mas são, isto sim, um ramo que se separa dessa complexa arvore ainda nos anos 70 e que, depois, segue evoluindo em direção a outras vertentes de punk rock, hardcore e influenciando as várias novas vertentes do metal nos anos 80 e nos EUA, o início do Deathrock.
Aqui contamos a história até o 1982. Posteriormente surgiriam outros crossovers, mas isso já é outra parte da história. Em 1983 já havia clima para uma tentativa de revival de 1976, mas essa já a história da segunda geração Gótica e da Batcave, e fica para outro capítulo.
RELAÇÃO COM O GLAM ROCK e GERAÇÃO BEAT:
“Posso ver Andy Warhol como Zeus, o Pai dos Deuses, espalhando seus "filhos" por toda parte ao longo das décadas. Em primeiro lugar, com sua própria cena Factory, depois os roqueiros Glam, até nós em 1976 - The Bromley Contingent - para os New Romantics e, finalmente, os garotos dos clubes de Nova York do início dos anos 1990. Todos nós éramos produtos da imaginação de Warhol. Todos viciados em glamour.”
Marshall, Bertie. Berlin Bromley (p. 136). Lume Books. (Integrante do Bromley Contingent em 1976, da “galera da Siouxsie”).
O que vemos é que o punk só tem intersecção com o glam se considerarmos a cena norte americana até 1975 e o Bromley em 1976 e Londres: a partir de 1977 o punk parte para o “anti-glam” e anti-dandismo no estilo, e musicalmente se reduz ao rock branco básico, eliminando todo que qualquer suingue, e isso é um divisor de águas.
O nível de aproximação ou afastamento do Glam/Dandy é importante na definição das fases da new wave e punk. Além de estilo musical, o Glam é um conceito de glamour, espetáculo e como fazer arte, e da posição do artista em relação ao público.
Por exemplo, se por um lado o grupo de Siouxsie e o Bromley eram fortemente influenciados pelo Glam, o punk 3, posteriormente se define eliminando as características estilísticas glam, assim como uma parte do post-punk. Ao mesmo tempo, já a partir de 1978, bandas synth, os new romantics e góticos mantém esses conceitos de “espetáculo” e dandismo do glam, bem como a diversidade de influências musicais.
O caso específico do Deathrock x Gótico comentamos neste outro texto.
Resumindo:
PUNK 1: Origem nos EUA de 1970 até 1976: “pós-beat”, garage rock, tradição Rock dos EUA. Creem e Revista Punk. Mais poética e musicalmente variada. Inicialmente apolítica. Artistas como Patti Smith, Richard Hell e Lou Reed, entre outros, descendem diretamente da literatura e subcultura beat norte americana, como nos lembra também Victor Bockris em seu livro “BeatPunk” (6).
PUNK 2: Versão Sex Pistols UK 1976-1977: Bromley Contingent, visual fashion customizado da loja SEX de Malcoln McLarem e Vivianne Vestwood. Individualismo, rock tradicional básico. lírica literal, música padronizada (ideia dos “3 acordes”).
PUNK 3: Versão Pós 1978/79: aproximação com hardcore, padronização, discurso político explícito visual: moicano, jaqueta, coturno. Novas vertentes: hardcore, streetpunk, OI!, etc.
O Punk 3 “fica com o nome” até hoje.
NEW WAVE 1: Incluía o Punk1. Até 1976 / 1978, dependendo do lugar.
NEW WAVE 2: Exclui o Punk2. Pós 1978. Difícil de separar a new wave 2 do “post-punk” (nova classificação que surge). Aproximação com o Synth, que vinha de outra linha evolutiva paralela.
NEW WAVE 3: Início dos anos 80. Versão caricata “colorida”. Sinônimo de novo pop, synth-rock. New wave “eletrônica”.
SYNTH: surge antes a partir da experimentação no período 1968 - 1977 do Krautrock, principalmente Kraftwerk e artistas como Moroder e W. Carlos.
COLDWAVE: Usado incialmente em 1977, na revista Sounds, para Kraftwerk, Siouxsie, Trobbing Gristle e outros “novos” artistas, designados como “New Musik”, em oposição à decadência do punk naquele ano.
DARKWAVE: Anos 80, cruzamento do Gótico e Synth com a New Wave 3 (daí o clichê da darkwave como versão obscura da “colorida” new wave), resultando em variantes mais minimalistas e outras mais maximalistas em termos de música eletrônica.
Referências Bibliográficas:
(1) Are We New Wave? (2) Sweet Dreams: The Story of the New Romantics (3) https://www.theguardian.com/music/2014/oct/11/northern-soul-rebellion-dance-floor-paul-mason
(5) Kill Me Please
Siouxsie reggae, drumming, start:
https://www.thefader.com/2010/10/21/read-our-interview-with-ari-up-from-the-siouxsie-siouxshabba-ranks-icon-issue
(6) Beat Punks: New York's Underground Culture from the Beat Generation to the Punk Explosions- Victor Bockris
(7) No livro Alguém Come Centopeias Gigantes?, coletânea de entrevistas feitas pelo agitador contacultural de San Francisco, V. Vale (Ed. Ideal, coleção Mondo Massari, 2015), citado por:
https://alexantunes.tumblr.com/post/136601752543/lydia-lunch-musa-do-caos-e-do-controle
(8) “Berlin Bromley” – Bertie Marshall (“Berlin”, membro do Bromley Contingent na época)
(9) Shock and Awe: Glam Rock and Its Legacy, from the Seventies to the Twenty-first Century- Simon Reynolds
(10) A Moral da Máscara - Patrice Bollon
(11) Wasn't the punk scene famously puritanical about what was culturally acceptable? "It was initially very diverse, very anti-uniform. Once it went tabloid, it became narrow and that sealed the coffin on the whole thing."
(12) “Right from the beginning, Punk and LGBT subculture were inseparable from one another. That crossover took a variety of forms. One of these was fashion and self-presentation. In London, a year or so before the ‘Pistols emergence proper, Punk as a subculture borrowed from the sartorial extravagance of the ‘soul boys’ and girls’’. [Their] look sometimes crossed over into the gay clubs. These gay clubs were often prime locations for the black dance music and the soul and disco influenced mid- 70’s output of David Bowie and Roxy Music.”
“The subcultures were studied and subsequently had elements of those scenes “borrowed” by Vivienne Westwood and Malcolm McLaren.”
https://www.lethalamounts.com/magazine-index/2020/4/3/the-origins-of-the-mclarenwestwood-cowboys-shirt
https://aah-magazine.co.uk/2014/lgbt-in-punk-culture/
https://www.jstor.org/stable/26920384
(13) “The punk scene has been and still is an All boys scene.” (Dinah Cancer)
https://alicebag.com/women-in-la-punk/2015/8/30/dinah-cancer
(14) Dinah Cancer influences and metal:
https://music.mxdwn.com/2012/10/08/features/interview-dinah-cancer-back-from-the-45-grave/
(15) Reynolds, Simon. Rip it Up and Start Again: Postpunk 1978-1984 . Faber & Faber. Edição do Kindle.
+
Which Pop Stars did you stick up on your bedroom wall when you were fourteen? SIOUXSIE- Marc Bolan (you did do a Banshees cover of his “Twentieth Century Boy”!). OOO – Mick Ronson. Bowie. Bolan. David Cassidy even – but that was when I was eleven! And pictures of horses. I think it was horses I was really into. But actually it was more Mick Ronson. I loved his first solo album – ‘Slaughter On Tenth Avenue’ (1974). And he had such a pretty face. I never saw Mick Ronson as a glamorous figure. He always looked more like a Brickie. NO! NO! That picture on the cover of ‘Slaughter On Tenth Avenue’? He wasn’t at all like a BRICKIE! No – some of the others (in David Bowie’s Spiders From Mars band) were. Trevor Bolder. And Woody Woodmansey with the HUGE sideboards – gross, gawd they were HORRIBLE! They were Brickies in Glam-Rags. And I hated Sweet as well. I really wasn’t fooled by the likes of Sweet. But no – Mick Ronson was a sweet pretty face. Not a BRICKIE!:
http://andrewdarlington.blogspot.com/2017/09/interview-siouxsie-sioux.html
Origens of Westwood cowboys:
https://www.lethalamounts.com/magazine-index/2020/4/3/the-origins-of-the-mclarenwestwood-cowboys-shirt
Berlim Bromley:
http://history-is-made-at-night.blogspot.com/2007/09/club-louise-and-sombreros-london-197677.html
https://www.gq-magazine.co.uk/culture/article/bertie-marshall-bromley-berlin-interview
https://www.liberation.fr/portrait/1999/05/08/siouxsie-41-ans-chanteuse-la-pretresse-punko-gothique-a-jete-sa-tenue-de-cruella-vit-dans-un-manoir-_272378/
http://www.untiedundone.com/