O “ROLÊ” NÃO É A “CENA
11. O “ROLÊ” NÃO É A “CENA”: A PONTA DO ICEBERG
Este texto é um capítulo do livro "HAPPY HOUSE IN A BLACK PLANET: VOLUME 2" (2018) de H. A. Kipper, você pode baixar o pdf completo deste e outros livros AQUI)
Quebrando o clichê da ideologia pós-moderna, a realidade nos mostra que subculturas não são nem apenas urbanas, nem apenas juvenis e, como já vimos, não são tribos.
Se você fizer pesquisa sobre a cultura chinesa em um shopping center de Honk Kong ou Pequim você concluirá que a população chinesa é muito jovem e ocidentalizada. Hoje, no Brasil em crise econômica, se você fizer censo da população brasileira nas baladas, vai concluir erroneamente que a população nacional diminuiu.
Ambas as conclusões acima têm pouco a ver com realidade, são distorções causadas pelo pressuposto das pesquisas: de que certos grupos sociais são encontrados em certos locais ou em relação presencial entre si. Ou limitados a apenas uma fase da vida.
Da mesma forma, se você fizer censo de população gótica em shows ou baladas, você vai ter um resultado com a mesma distorção “intencional”.
Mas, felizmente, a vivência dos góticos não se dá apenas em shows e baladas em grandes cidades. “O Rolê não é a Cena”. A população gótica é muito maior que o “rolê” e realiza sua vivência e identificação de diversas formas. Muitos não saem em festas. Alguns já têm família e trabalho e mantém sua identidade e participação em outros ritmos, após os 30 ou 40 anos de idade. Outros estão participando ouvindo música em casa, vendo filmes, lendo, escrevendo, utilizando roupas e maquiagens, entre outras atividades. Ou ainda interagindo online.
Os demais vivem em cidades pequenas sem cenas, mas têm toda identidade e informação do estilo porque a internet hoje permite informação e vivência real e de qualidade, melhor do que tínhamos presencialmente no passado, na maioria dos casos.
Eventualmente, muitos vão também frequentar alguma festa, show ou festival gótico. Mas essa participação não é o que vai definir a identificação subcultural dessa pessoa. Será uma experiência que é exatamente complementar e resultado de uma identificação realizada a longo prazo.
Assim, não são góticos apenas os que estão saindo no rolê. Isso sempre foi apenas a ponta do iceberg... e a parte que derrete, some e reaparece de acordo com as estações.
Precisamos rever nossos conceitos do que significa “participação subcultural”, pois os conceitos do século passado se tornaram ou prejudiciais para o cenário alternativo ou mesmo preconceituosos e cegos em relação a realidade.
Translocalidade (ou glocalidade): significa que você está vivenciando o local e outros locais ao mesmo tempo ou o local e o global ao mesmo tempo. Essa é uma das características das vivências do século XXI.
No século passado íamos a locais para obter informação. Hoje, no século XXI, conhecemos tudo (e muito mais coisas) antes, na tela de nosso PC, notebook ou Smartphone. Selecionamos o que gostamos e vivenciamos isso… só depois de distinguirmos é que vamos a algum lugar para vivenciar de outra forma o que já escolhemos antes. Assim, hoje, o volume de conhecimento disponível, a quantidade de pessoas acessando a informação e a autonomia individuais para seleção e escolha são maiores.
Claro que isso incomoda muita gente: todos aqueles que no século passado detinham o poder de intermediar e selecionar informação nos locais de acesso. Esses locais ainda existem, mas a relação de poder com as pessoas que os acessam deixou de ser unilateral, para ser no mínimo uma via de mão dupla.
Este é nosso mundo. O século XX acabou mesmo, apesar de muitos de nós vermos o presente com olhos do século passado. Provavelmente aqueles de nós nascidos até os anos 1980 soframos em maior ou menor grau dessa miopia.
Cabe a nós tentar enxergar melhor.
Este texto é um capítulo do livro "HAPPY HOUSE IN A BLACK PLANET: VOLUME 2" (2018) de H. A. Kipper, você pode baixar o pdf completo deste e outros livros AQUI)