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DIFERENÇAS ENTRE “TRIBO” E “SUBCULTURA”

1. ALGUMAS DIFERENÇAS ENTRE OS CONCEITOS DE “TRIBO” E “SUBCULTURA” (capítulo do livro "A Happy House in a Black Planet 2" , 2018)

No volume 1 fizemos uma introdução explicando o conceito de subcultura e subcultura translocal. Aqui vamos partir deste ponto e aprofundar esses temas com novas questões relativas ao século XXI.

Michel Maffesoli popularizou o termo “tribos pós-modernas” com seu livro “Tempos das Tribos” de 1986. Na onda da ideologia pós-moderna e ascensão do neoliberalismo, como e por quê esse conceito se tornou moda nos anos 90? Qual a diferença entre o termo subcultura como usado nos anos 1970 e a reformulação do conceito de subcultura do final dos anos 1990 até hoje?

Para entender esse processo é preciso recapitular alguns fatos históricos e teorias desse período e posteriores. David Harvey e Fredric Jameson definem pós-modernidade como o estágio do capitalismo avançado de consumo e pós-modernismo como a ideologia que sustenta a fase avançada deste capitalismo - no final do século XX - que precisa de uma ideologia de identidades flexíveis (tanto para viabilizar modas consumistas cada vez mais rápidas, quanto para designar a precarização das condições de trabalho e salários piores).

De um momento para outro ter uma identidade pessoal ou social, trabalho ou utopia se tornou “conservador e ultrapassado”, segundo a ideologia pós-moderna.

Se teoria de Maffesoli não foi cunhada especialmente para este contexto, caiu como uma luva e foi adotada sequiosamente por setores da mídia e da comunicação (publicidade, jornalismo etc) popularizando-se rapidamente no meio acadêmico destas áreas e caindo no senso comum. Como nem tudo que se fala sobre tribos estava na sua teoria, vamos analisar alguns de seus detalhes.

Importante lembrar que, na mídia de massa, muitos usam o termo “tribos” desconhecendo a teoria Maffesoliana e usam o termo como algo referente às tribos indígenas ou autóctones do Brasil ou outro lugar. Assim o termo tribo, além de não ser adequado para todos os tipos de grupos sociais alternativos, muitas vezes é usado de forma errada ou pejorativa. Também o termo subcultura é considerado às vezes de forma equivocada: é preciso lembrar que o prefixo “sub” não se refere aqui a “inferior”, mas sim a algo que faz parte de outras coisas. Subculturas fazem sentido somente em relação ao pano de fundo das culturas “dominantes” das épocas e regiões em que se desenvolvem ou desenvolveram.

Vejamos então as diferenças essenciais entre o conceito de “tribo pós-moderna” e de “subcultura translocal”:

CARACTERÍSTICAS DAS NEO-TRIBOS PÓS MODERNAS:

Maffesoli descreve “neo-tribos pós modernas” como:

-fluidez, ajuntamentos pontuais e dispersões (p. 132);

-não são estáveis, são efêmeras;

-pensamento de massa em detrimento do indivíduo – a massa ou o povo não se apoiam em uma lógica de identidade, logo, o vão e vem entre várias identidades ou tribos (p.31, 243) “mudando o figurino ela vai…assumir seu lugar a cada dia, nas diversas peças do ‘theatrum mundi’ ”(p.133);

-a metáfora da tribo permite dar conta do processo de desindividualização (o autor comemora o fim do individualismo moderno, ou seja, do indivíduo como uma identidade estável);

-as tribos são grupos afetuais (p. 31);

-proxemia como elemento essencial desse tipo de sociabilidade, presença próxima ou localismo (p. 227).

CARACTERÍSTICAS DAS SUBCULTURAS TRADICIONAIS X SUBCULTURAS TRANSLOCAIS:

Anteriormente, no volume 1, (2008) indiquei algumas características da definição atual de “subcultura” alternativa, especialmente de “subcultura translocal”, baseado especialmente em Hodkinson. Vamos repassar o básico: Subcultura pode significar uma “parte de uma cultura” que possui um conjunto diferenciado de “valores, crenças, normas e padrões de comportamento, portanto, um modo de vida compartilhado por parte de uma população” (Vila Nova, 2004).

Podemos dar como exemplo as subculturas regionalistas tradicionais do Brasil, como a nordestina ou a gaúcha. Elas estão inseridas na sociedade brasileira e em sua cultura, mas, ao mesmo tempo, possuem um sistema de significação e representação do mundo próprio e único. (Kipper, 2008)

O QUE É SUBCULTURA URBANA E TRANSLOCAL?

“Com a industrialização, urbanização e globalização das informações, a situação das culturas mudou bastante. Principalmente na segunda metade do século XX, com o aparecimento da televisão e outros métodos de radiodifusão e, mais tarde, com o surgimento da Internet.

Temos um cenário no qual a cultura das zonas urbanas industrializadas tende a perder características locais e a adotar características de uma cultura global economificada: a cultura da sociedade de consumo contemporânea. Neste contexto, depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), começam a surgir algumas subculturas urbanas, como os Beats, Rockers, Mods, Skinheads, Hippies, Glam-Rockers, Punks, Góticos etc.

Algumas delas desapareceram em pouco tempo, mas outras permaneceram e mantiveram coerência interna por um longo tempo. Hoje, estas subculturas apresentam diversas características, entre elas, a translocalidade (não serem limitadas geograficamente). Da mesma forma que as subculturas tradicionais ou regionais, o participante de uma subcultura translocal continua participando, de alguma forma, da cultura dominante local.” (Kipper, 2008)

Paul Hodkinson (2002) identifica na subcultura Gótica (e outras), quatro fatores interligados e complementares de consistência subcultural:

- DIFERENCIAÇÃO CONSISTENTE - IDENTIDADE - COMPROMETIMENTO - AUTONOMIA Esses fatores são explicados um por um no capítulo 6.1) Indicadores de Consistência Subcultural de “A Happy House in a Black Planet”. (2008)

Exatamente devido ao fato do conceito de tribo ter este significado específico que optamos neste livro por usar o conceito de subcultura como definido modernamente como por Paul Hodkinson.

Este é um conceito de subcultura atualizado, que leva em conta os avanços da teoria sociológica e etnográfica do final do século XX. Ken Gelder em seu livro “Subcultures Reader” (1997/2002) edita um histórico do uso do termo subcultura ao longo do século XX e seus desenvolvimentos no século XXI.

Por isso, convém não tomar o termo subcultura como usado anteriormente: os conceitos ultrapassado da teoria subculturalista já foram criticados e revisados pelos próprios autores que hoje usam o termo atualizado e contextualizado para o século XXI.

Hodkinson (2002) sugere o uso de “tribos” para o tipo de grupamento social definido por Maffesoli (1986, 2010) e de “subcultura” para o tipo de grupamentos sociais com maior consistência e perenidade.

O “sub” de subculturas não indica de forma alguma, portanto, “inferioridade”, mas sim, subdivisão ou divergência em relação a algo.

Assim, podemos também chamar as subculturas de “culturas” ou “culturas alternativas” se tivermos em mente que são “culturas alternativas” e “alternativo” exige que seja algo “alter” ou outro, diferente em relação a uma cultura de referência, geralmente dominante ou hegemônica em determinada época, região e contexto social.

E sempre lembrando que nos referimos a um tipo de vivência humana que tende mais a perenidade e vinculação significativa de relações sociais, e menos à transitoriedade e relações impessoais que marcam o capitalismo de consumo, o descarte e a ideologia pós-moderna, como comentamos mais longamente no artigo “Etnofobia”.

Nos próximos capítulos vamos também falar mais sobre o conceito de translocalidade cultural.

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