CARTA AOS NEÓFITOS* NA SUBCULTURA GÓTICA
1. CARTA AOS NEÓFITOS* NA SUBCULTURA GÓTICA
Seja bem-vindo!
Que bom que você se interessou pela subcultura gótica! Que bom que a música, as roupas, as maquiagens, as festas, a literatura ou qualquer outra coisa te encantou e apaixonou.
Esse gostar verdadeiro pode fazer você permanecer entre nós.
Agradeço sua chegada, pois sem você e outros novos interessados, o espaço alternativo gótico desapareceria como algo vivo, permanecendo apenas como fato histórico ou revivalista.
Felizmente cada vez mais a população gótica cresce no mundo, com novos estilos, roupas, bandas e festas, como vemos em grandes festivais europeus e eventos pelo mundo todo.
Contudo, nem tudo são rosas negras e belos luares. Você pode enfrentar alguns problemas e frustrações no começo, como todos nós que vivemos a subcultura gótica há mais tempo também enfrentamos no passado.
A boa notícia é que hoje é muito melhor do que no passado. Você já deve ter percebido que há muito mais liberdade e mais acesso a informação. Isso é muito bom.
Mas algo chato que ainda pode acontecer é você ser julgado ou rotulado por algumas pessoas. Eu as chamo de “caça posers” ou “polícia gótica”, pessoas que podem te fazer pensar que têm alguma autoridade para te julgar e ofender, mas não têm.
Os caça posers e a polícia gótica prejudicam nossa cultura alternativa. Estão interessados apenas em adquirir status fácil rebaixando outras pessoas. Aparentemente ficariam felizes se a subcultura gótica se reduzisse a meia dúzia de saudosistas para comprovar sua tese de que “o gótico está acabando”.
Meu conselho? Simplesmente ignore-os.
Vou te contar uma coisa: há mais de 25 anos escuto a frase “A cena gótica está acabando, precisa ser salva e blá, blá, blá”. Entretanto, passaram-se várias gerações, a subcultura gótica cresceu e proliferou pelo mundo todo.
É que as pessoas veem a subcultura gótica e seu desenvolvimento de duas formas principais: o modelo de seita ou elite, e o modelo cultural ou subcultural.
1- O primeiro modelo – que criticamos aqui – é o modelo de seita secreta ou elite alternativa. Esse modelo de relacionamento pode ser visto também em grupos especiais do exército, no mundo acadêmico ou em grandes empresas. Seitas e elites buscam de toda forma garantir que o grupo mantenha um número reduzido de integrantes, pois isso garante o status elevado dos “poucos conhecedores”. Grupos deste tipo desenvolvem sempre uma forte polícia de controle que fiscaliza a entrada de novos membros com estratégias de seleção, punição e/ou ridicularização. Claro que o novo integrante aceita esses rituais de passagem com a perspectiva de ganho de status futuro e poder se tornar um novo sádico ou fiscalizador da entrada dos novatos.
2- O segundo modelo é o cultural ou subcultural. Nesse o status pessoal vem da participação e construção de um grupo social com características específicas, e quanto maior seu desenvolvimento em qualidade e quantidade, melhor. Quanto mais bandas, mais e melhores eventos, mais lojas, mais pessoas, melhor. Nesse caso você não é “grande” por ser único ou parte de uma pequena elite, mas porque você faz parte de algo grande e especial. Nesse modelo a recepção de novos integrantes é de formação e integração.
Se queremos no futuro ter algo vagamente parecido com o que vemos nos grandes festivais góticos pelo mundo, ou desde já ter uma vivência gótica minimamente saudável, o modelo que faz sentido é o segundo.
Assim, toda vez que alguém agir contra você como se fosse o sumo sacerdote de uma seita ou membro de alguma elite, simplesmente ignore. Continue seguindo seu prazer e interesse pela subcultura gótica. É o prazer que levara a busca por conhecimento, não qualquer fiscalização.
Você não precisa beijar a mão de ninguém para poder ser gótico. Ninguém tem o direito de aplicar um teste de “verdadeiro gótico” em você. Você não depende de ninguém para ter informação. Posso apontar caminhos possíveis para ajudar, mas quem vai trilhá-los ou não é você.
Mas é impossível adivinhar quem vai continuar a se identificar com a subcultura gótica ao longo do tempo. Por isso, ninguém pode te prejulgar. Ser qualquer coisa é um vir-a-ser, um se tornar.
Outras pessoas vão dizer que você não pode ser gótico porque vive em uma cidade sem “cena” gótica. Isso é outra bobagem: em pleno século XXI, você pode ter mais identificação com música, estética e cultura gótica via internet do que se tinha dançando em um porão dos anos 1980.
Além disso, boa parte das pessoas que frequentam as festas góticas em determinado período se afastam e desinteressam depois. Isso se deve ao fato de que estavam apenas saindo com os amigos e a galera. Portanto, a vivência presencial não é o que vai determinar sua identificação subcultural no longo prazo.
Vivi os anos 1980 e 1990. Vou contar um segredo: vocês tem um mundo gótico mais interessante, rico e variado hoje. Atualmente, vocês já chegam com um alto nível de conhecimento musical e cultural, algo que era impossível antes da popularização da internet.
Vocês também não dependem mais dos DJs, amigos influentes ou críticos musicais para chegar até a informação. E melhor: você não precisa ser rico para comprar todos aqueles CDs importados. Você pode ter toda informação mesmo sendo pobre.
Sim, góticos não têm classe social definida. Não importa se você é pobre, classe média ou rico. Ninguém tem o direito de te olhar torto por isso.
Não tenha pressa em aprender e conhecer tudo. Você não precisa saber tudo e conhecer tudo para “ter o direito” de desfrutar da subcultura gótica. Lembre-se, ninguém tem o direito de te aplicar um teste surpresa. Por que teria?
Primeiro se vive, depois se sabe.
Outra coisa: não conheço ninguém com mais de dois neurônios que curta um único estilo musical.
Pode acontecer de alguém tentar te convencer a deixar de gostar de todas as bandas “não góticas” para poder ter o direito de curtir bandas góticas ou se dizer gótico. Isso é outra grande bobagem. Da mesma forma que não andamos com um supervisual gótico o tempo inteiro, também não vivemos em um mundo musical fechado.
Até porque a subcultura gótica tem uma variedade musical incrível, indo do rock ao eletrônico, do folclórico ao industrial, do ethereal ao synth etc. Isso sem falar nas bandas e estilos “adotados”.
E se alguém disser que existe um único estilo musical gótico, também ignore. Não lembro de ter existido no Brasil, algum dia, pureza musical gótica, principalmente partindo dos anos 1980 quando diversos estilos paralelos eram adotados e curtidos pelos góticos.
Ah, antes que eu esqueça: o gótico não acabou nos 1980. Mas isso você já deve saber.
Finalmente, algo que hoje acontece menos, mas é bom prevenir: alguém pode dizer que gótico “tem que ser branco ou ariano”. Isso é uma bobagem total, sem nenhum fundamento. Ainda mais no Brasil, em que somos um caldeirão étnico, temos góticos de todas as etnias e origens.
Ninguém pode te julgar por gosto, classe social, etnia, tamanho, peso, identidade de gênero ou orientação sexual.
Assim, ignore qualquer um que te chame de poser e olhe feio, ou qualquer bobagem desse tipo. Ignore a polícia gótica e os caça posers e simplesmente siga a busca cultural que te dá prazer.
Talvez esta busca te leve a celebrarmos junto a noite na subcultura gótica por muito tempo. Ou talvez te leve a celebrar também em outros meios ou se afastar para círculos culturais sem nenhum contato com a subcultura gótica.
Quem vai saber, quem pode prever ou julgar? Ninguém. Só o tempo e suas escolhas dirão. Por isso, desfrute do presente e não deixe ninguém estragar sua experiência.
;-)