MITO 2: “SÓ POUCOS ENTENDEM O QUE É BOM”
MITO 2: “SÓ POUCOS ENTENDEM O QUE É BOM”
Um dos maiores medos de um elitista é que uma cena cresça e tenha muita gente participando, pois isso diminuiria seu status...
Todo ano uma grande quantidade de pessoas se interessa pela subcultura gótica, mas é afastada por dinâmicas internas peculiares das cenas locais ou da “polícia gótica” online que busca manter a cena gótica pequena e “acabando” por motivos que vão ficar claros ao longo dos 10 mitos que estamos comentando aqui. Por isso hoje temos hoje uma grande quantidade crescente de góticos e simpatizantes online, mas as festas, shows e festivais se esvaziam pelo Brasil: ideias anacrônicas e grupos controle locais afastam as pessoas, seja com propaganda de pureza ou preconceitos online, seja no mundo real.
Hoje existem muitos góticos espalhados em cidades do Brasil com ou sem cena local, pois não existe mais a necessidade de uma cena local para que um indivíduo se interesse e acesse um conteúdo cultural coerente sobre a subcultura gótica e se identifique a longo prazo.
Porém muitas vezes essas pessoas não sabem que existem outros góticos em suas cidades. Ou acabam por ser rejeitados ao se aproximarem da cena gótica presencial por serem barrados por algum dos 10 mitos que descrevemos aqui. Um fenômeno relatado por muitos, infelizmente. Esses 10 mitos, cada um ou em conjunto, funcionam junto como rede de seleção e afastamento, buscando manter um modelo de cena pequena e elitizada (mesmo que pobre). Um dos maiores medos de um elitista é que uma cena cresça e tenha muita gente participando, pois isso diminuiria seu status. Mas vamos pensar da irracionalidade dessa lógica:
Na sua opinião, o que faz uma coisa ser alternativa ou subcultural:
a) as características e qualidade dessa coisa?
b) a quantidade de pessoas que conhece essa coisa?
Pense bem: no Brasil há mais de 200 milhões de pessoas. Se 1% fosse gótico, seriam 2 milhões de pessoas. Se 0,1% fosse gótico, seriam 200 mil pessoas. Respectivamente, significam 1 em 100 e 1 em 1000 pessoas.
Agora pense: é possível estabelecer em que percentual de pessoas uma coisa deixaria de ser “alternativa” apenas por ter se tornado muito conhecida? Claro que não, essa ideia é absurda.
Por exemplo: livros do Edgar A. Poe estão em qualquer coleção de clássicos da literatura, ainda assim o autor é uma referência para os góticos. O mesmo vale para os fimes mais autorais de Tim Burtom.
Além disso, em um universo cultural em que o estilo gótico é uma das subculturas menos populosas, mesmo algo que fosse preferência de 100% dos góticos seria algo que seria conhecido por não mais do que 0,1% da sociedade em geral. Isso sendo otimista... provavelmente na maioria dos caos seria algo como 0,01%...
Logo, o que importa são as características de um objeto cultural.
Se tomarmos uma cena auto-suficiente e bem estruturada como a cena Gótica Alemã, um festival grande como WGT ou M’Era Luna ou mesmo shows regulares na Europa ou Argentina, são pequenos se comparados com grandes shows até mesmo de artistas solo do mundo pop mainstream. Isso é importante: um festival com 20 mil pessoas em 4 dias é algo pequeno e alternativo em um país com dezenas de milhões de pessoas.
Por isso é preciso pensar para que serve a ideia de que se algo se torna muito popular ou conhecido de muitos (mesmo mantendo suas características) perde o valor “alternativo”. Essa ideia faz parte de um processo suicida de elitismo em certas cenas alternativas. Isso historicamente prejudicou nossa cena gótica (entre outras).
Provavelmente muitas pessoas adotam esse discurso de elite até com boas intenções, até sem perceber as consequências. Mas isso não muda o resultado negativo.
Dentro dessa forma de pensar a informação deveria ser passada “só para aqueles que merecem”, em geral em relações pessoais e presenciais, ou selecionadas ou até secretas. E se algo fica muito conhecido, perderia logo o “valor”.
Esse discurso de “elite alternativa” gera status pessoal para aqueles que o praticam: como excluem e rejeitam tudo que se torna mais conhecido (mesmo dentro de um contexto alternativo), confirmam sua teoria e ficam confortáveis como “elite genial incompreendida”.
Assim, o não desenvolvimento (de determinada cena subcultural) geralmente serve para alguns indivíduos ficarem felizes e satisfeitos no seu status de “poucos que realmente entendem”.
O Fracassismo e Elitismo é uma forma de gerar status para os “poucos e bons que realmente conhecem e tem a sensibilidade alternativa”. Nada mais satisfatório em termos de status do que ter um pequeno grupo de amigos que ajuda a cumprir a “profecia auto-realizada” de que realmente conhecemos um estilo que a “massa ignorante” não tem capacidade de entender.
Algo tão Brasil tradicional, não?
É a lógica de seita ou grupo de elite. Ricos ou pobres, opressores ou oprimidos, a lógica é a mesma.
Assim, o fracasso se torna uma glória para ser compartilhada entre “poucos e verdadeiros” (e troo...) amigos, pois comprova como realmente somos underground e alternativos... E se a “cena está acabando”, seremos os “últimos guardiões dos conhecimentos ou sensibilidade perdidos”. Realmente, um discurso altamente auto-satisfatório.
Por isso muitas vezes é adotado o discurso de que é preciso “resgatar” ou “salvar” uma cena que está “decadente” ou “a cena está acabando”: mas há um grande investimento pessoal de quem adota este discurso para que essa cena fique pequena ou continue sendo reduzida gradativamente para que elas possam manter seu “status” de elite alternativa.
Existe uma incoerência irracional aí – e até um conflito emocional - só explicada pela teoria não corresponder a intenção e discurso, mas a necessidade de manutenção do modelo e do status de “elite diminuta”.
Algo irônico é que muitos caça-posers são muito jovens, e em poucos anos se afastam da cena gótica. Claro, não tinham interesse nela, mas apenas nas relações de status e poder envolvidas. São a “polícia gótica”... os mais cruéis e implacáveis juízes da vida alheia.
Mas infelizmente o fracassismo e elitismo geram uma auto-imagem positiva e status em qualquer idade... pena que destruam a possibilidade de crescimento real de um segmento cultural.
Assim, o fracasso e sectarismo são programáticos- mesmo que não seja um processo consciente - como forma de gerar “status alternativo”. Muitas pessoas tem boa vontade de fazer algo “pela cena” mas tem esses discursos e idéias de “underground” tão profundamente arraigados que não conseguem deixar de se auto-sabotar. Há um conflito interior que impede o indivíduo de encontrar saídas.
Não é preciso dizer como a democratização da informação pela internet deixou estas pessoas chateadas, pois para elas não interessa o crescimento e desenvolvimento da cena Gótica (ou outras com dinâmicas semelhantes), mas sim seu orgulho e status pessoal de pertencer a uma “elite alternativa”, de serem “os poucos que realmente entendem”. Para essas pessoas é essencial que a cena a que pertencem nunca cresça muito, e continue sendo “um pequeno grupo de seletos amigos”.
Finalmente, vocês já devem ter percebido que tanto o elitismo como o fracassismo estão enraizados em uma idéia obsoleta de underground do século passado, na qual uma “cena alternativa X” era um território a ser defendido, em que só cabiam poucos que compartilhavam certos conhecimentos e gostos secretos. Assim, por exemplo, se uma banda começa a ficar muito conhecida, ela deixaria de ser boa ou alternativa, não porque mudou, mas porque deixou de ser uma moeda com valor de status.
Não é preciso dizer que essa concepção de undergroud não faz nenhum sentido no século XXI, como veremos também no mito 3, que comenta sobre o compartilhamento de informação hoje em dia. VOLTAR PARA O TEXTO "10 MITOS QUE PREJUDICAM A CENA GÓTICA BRASILEIRA"